“Não podemos ter um país a velocidades diferentes”.
Começou o seu percurso como jornalista de economia em meios como o Jornal Expresso e o Jornal de Negócios. Pouco tempo depois, integrou a secção de Tecnologia do Observador, primeiro como Jornalista e depois como editora de Tecnologia. A partir daí Ana Pimentel começou a apaixonar-se pelas histórias por trás do mundo das startups e, em 2021, lançou o seu primeiro livro intitulado “Unicórnios Portugueses - A história das Startups de mil milhões de dólares”, no qual conta a história dos unicórnios portugueses. Em entrevista à Start PME, Ana Pimentel fala sobre transição digital, empreendedorismo e o que é necessário para atingir o patamar de um unicórnio.
A Ana foi jornalista de IT e Startups no Oservador. Como surgiu a sua paixão por esta área?
Comecei a interessar-me por esta área à medida que o ecossistema de startups se foi desenvolvendo, ainda antes de trabalhar no Observador. Era jornalista freelancer e escrevia sobre empreendedorismo para várias publicações. Percebi que por detrás de cada negócio, produto ou serviço que se afirmava como inovador havia uma história para contar. Uma história de coragem, de perseverança, de medo, de risco. Foram essas histórias – as das pessoas – que me moveram nesta direcção. Simultaneamente, o mundo começava a digitalizar-se cada vez mais e a economia mobile crescia a olhos vistos. Era preciso informar sobre esta revolução digital, dar-lhe voz e contribuir para que se fomentasse pensamento crítico. Continua a haver muitas perguntas sem resposta nesta área. E o dever de um jornalista é fazê-las.
Lançou em 2021 o seu primeiro livro intitulado “Unicórnios Portugueses - A história das startups de mil milhões de dólares”. Como surgiu a ideia para escrever este livro? Como descreveria o processo de criação e consequente consolidação de um unicórnio?
Comecei a acompanhar estas empresas unicórnio assim que o termo chegou a Portugal, apesar de, como leitora, já estar familiarizada com o conceito. Dei todas as notícias que havia para dar sobre estes unicórnios, fiz entrevistas, contei estas histórias, mas estavam espalhadas por diversos artigos e formatos. Estavam dispersas. Eu própria comecei a ficar confusa com alguns pormenores. Fui à procura de um livro sobre unicórnios e não havia nenhum. Então, decidi escrevê-lo. Sentia que era importante juntar estas histórias num livro, porque acreditava que estavam a deixar a sua marca no nosso país e que era importante que isso ficasse documentado.
Para quem não está tão familiarizado com o assunto, o que são os unicórnios portugueses e quais as suas diferenças?
É mesmo a essas perguntas que o meu livro tenta responder. Espero ter conseguido. É impossível explicar este fenómeno em tão poucas palavras, mas um unicórnio é uma startup avaliada em mais de mil milhões de dólares e estas avaliações podem acontecer em áreas muito distintas. Os unicórnios fundados por portugueses atuam todos em setores diferentes e cada um tem as suas especificidades.
Como justifica este boom das startups no mercado das novas tecnologias?
Porque a tecnologia é mais facilmente escalável, tal como é mais fácil fazê-la crescer, alterá-la. E tudo isto está inscrito no ADN das startups. Para criar um novo software é preciso um computador, internet e know-how… Talvez por isso seja mais fácil também criar disrupção. Uma empresa tecnológica pode ser global desde o dia 1 e isso é essencial para uma startup. E quando estas condições se reúnem… o mercado depois encarrega-se do resto.
Quais são os maiores desafios das unicórnios portuguesas?
Talvez a concorrência à escala global e a falta de talento tecnológico. E aqui com esta falta refiro-me a escassez: não há pessoas suficientes para a quantidade de vagas em aberto nestas empresas. O facto de haver cada vez mais unicórnios cria também mais competição no mercado de trabalho e isso tem sido um grande desafio para este tipo de empresas. Pelo menos é o que pude perceber das conversas que fui tendo com os fundadores ao longo do tempo. Percebi que isto era algo que os preocupava.
Que futuro antevê para as unicórnios portuguesas? Existem outras empresas que podem atingir essa dimensão?
Claro que sim, e há vários nomes que já são apontados como os próximos unicórnios. Escrevo também um pouco sobre isso no meu livro. Mas confesso que estou muito curiosa para ver como o mercado do capital de risco se vai comportar nos próximos tempos. A tendência em 2021 era a de haver cada vez mais investimento disponível, mas será que isso se vai manter durante muito tempo? Prefiro não fazer futurologia e manter-me-ei como observadora desta realidade.
O que deve esperar quem se aventura na criação de uma startup?
Muitas dificuldades, obstáculos e contratempos. Há sempre várias dores que precisam de ser socorridas. Pelo que pude observar com o meu trabalho, criar uma startup exige muita flexibilidade, agilidade e perseverança.
Na sua opinião, quais são as áreas mais promissoras em Portugal para o surgimento de startups?
Aquelas que foram promissoras no mundo todo. Uma startup deve pensar no mercado global desde o dia 1 e não se restringir ao mercado em que nasceu. Numa era como a nossa, as promessas estão em todo o lado. Fundamental é ter bom talento, boas equipas e, claro, um bom produto ou serviço, independentemente da área.
Quais são as principais razões que contribuem para o sucesso de uma startup? E para o insucesso?
Acho que me vou repetir, mas pelo que pude acompanhar ao longo do meu trabalho como jornalista, a flexibilibilidade, agilidade e perseverança são ingredientes fundamentais. Depois, há muitos factores… o match entre os investidores e a equipa também é importante, tal como o funcionamento de toda a equipa e a própria cultura organizacional.
Que elementos deve um empreendedor ter em conta aquando do lançamento de uma startup?
Penso que deve ter uma noção muito clara da imprevisibilidade do caminho, conseguir adaptar-se rapidamente a essa mesma imprevisibilidade e lidar com os erros e falhanços de acordo com o que eles são: aprendizagens. Lançar uma startup exige muito dos seus fundadores e não me parece ser tarefa fácil.
Hoje em dia transmite-se muito a ideia de que todos temos que ser empreendedores. Porque é que acha que isto acontece? As pessoas estão a perder o interesse nas pequenas empresas? As PMEs tradicionais estão a perder valor? Porquê?
Um empreendedor pode ter uma PME e não uma startup. Talvez seja interessante diferenciar isso: empreendedores podemos ser todos, até trabalhando por conta de outrem. Um empreendedor é alguém que desbrava caminho e pode fazê-lo com um pequeno projecto por conta própria, uma pequena empresa, um café ou uma cadeia de restaurantes. E também lançando uma startup. Mas essa é apenas uma forma de empreender, para que fique claro. Felizmente, existem mais. E ainda bem. O mercado de trabalho precisa de diferentes empresas e diferentes profissionais e todos são necessários.
A pandemia e o facto de as empresas terem que se reinventar e adoptar novas formas de trabalhar justificou também este crescimento das tecnológicas em Portugal? Existe uma relação entre estes dois fatores?
Acho que não, o fenómeno é bastante anterior a isso, mas a pandemia veio, sem dúvida, mostrar como é urgente a digitalização dos serviços e empresas. E aquelas que já estavam a trabalhar na revolução digital, acabaram por se adaptar melhor às novas exigências que a pandemia trouxe.
Qual considera ser a importância da transição digital nos negócios, especialmente durante a pandemia?
É muito importante que a transição digital seja homogénea no país todo. Não podemos ter um país a velocidades diferentes, com literacia digital diferente e com acessos diferentes às mesmas coisas. Se somos o país da Web Summit, temos de o ser num todo. E não apenas nos grandes centros urbanos. Acho que isso é essencial a todos os níveis: nas empresas, na sociedade e sobretudo na educação.
Patrícia Neves