Entrevista António Campos, Presidente da Comissão Executiva da Nersant- Associação Empresarial

“As empresas terão que procurar uma capitalização mais robusta e uma menor dependência da banca”

O contexto pandémico apresentou às empresas novos desafios relativamente ao seu processo de gestão, originando formas de trabalhar alternativas. Para compreender melhor o impacto da pandemia no âmbito da gestão de empresas, a Start PME falou com António Campos, Presidente da Comissão Executiva da Nersant Associação Empresarial.

O que mudou na gestão de empresas no período pandémico?

Acima de tudo a incerteza de como a pandemia ia evoluindo. Com a diminuição dos negócios, em especial os internos, criaram-se muitos problemas de tesouraria nas empresas, em especial nas PME´s, pois é sabido que este tipo de empresas caraterizam-se por estar pouco capitalizadas. Diria que a gestão foi muito à vista, dia-a-dia.

Que ensinamentos decorrentes do contexto pandémico podemos aplicar no futuro da gestão de empresas?

Em primeiro lugar, as empresas terão que procurar uma capitalização mais robusta e uma menor dependência do modelo de excessiva submissão da banca. O nosso modelo português e europeu é de dependência excessiva da banca. O mercado de capitais terá que abrir e apostar no mercado secundário.

Qual é a sua visão sobre a ascensão do teletrabalho? Que aspetos se devem ter em conta aquando da implementação desta metodologia no âmbito da gestão de empresas?

Foi muito interessante a adaptação célere ao teletrabalho, mas não é viável na maioria das profissões e atividades económicas. Onde for possível, não tenho dúvidas que passará a ser uma realidade futura. Mas temos que ter em conta que a cultura da empresa e as experiências vivenciais só se conseguem de forma presencial. Por isso penso que veio para ficar e as empresas vão adotar, sempre que possível e justificável, com grande beneficio para os colaboradores, na melhoria da qualidade de vida.

Qual o impacto do layoff na gestão de empresas e o que este apoio significou para estas?

As empresas preferiam não ter tido necessidade de recorrer ao layoff, até porque uma parte dos custos com os recursos humanos continuaram a ser suportados pelas empresas, mesmo sem faturação, quer porque não tinham clientes, quer porque foram obrigadas a encerrar nos confinamentos. O governo tomou a medida correta, pois foi a única forma de garantir os postos de trabalho, sem que tivesse havido quebras ou encerramento das empresas, em especial nas indústrias.

A criação de emprego constituiu um dos elementos que mais se retraiu durante o período pandémico. Que medidas considera relevantes para estimular a criação de emprego?

Claramente o apoio à contratação é a ferramenta mais importante. É um investimento do Estado, pois cada emprego criado será menos um trabalhador a receber subsídios, com o beneficio direto para uma sociedade mais equilibrada e que proporciona estabilidade para o desenvolvimento sustentável global.

Foram apresentados alguns apoios financeiros com o intuito de revitalizar e recuperar a atividade empresarial. Qual o impacto destes apoios para as empresas?

Genericamente foram importantes, mas na minha opinião deveriam ter existido mais apoios a fundo perdido, como aconteceu em outros países da UE. Saímos desta pandemia com as empresas mais fragilizadas e endividadas, o que pode condicionar novos investimentos, que permitiriam melhorar a competitividade e inovar.

Que benefícios podem trazer o Plano de Recuperação e Resiliência e o Portugal 2030 para a atividade empresarial?

Garantidamente que trarão muitos benefícios e vão permitir fazer alguns investimentos para a requalificação empresarial. Mas, mais uma vez, só as empresas mais saudáveis vão conseguir usufruir destas vantagens, pois as que sofreram mais com a pandemia estão fragilizadas economicamente. Assim, os critérios e taxas de apoio a fundo perdido deveriam ser mais seletivos, em especial tendo em atenção os setores de atividade que foram mais penalizados com a pandemia.

O Plano de Recuperação e Resiliência prevê uma componente relacionada com a transição digital, nomeadamente em processos de inovação e digitalização. De que forma esta componente pode ser aplicada à gestão de empresas?

Em termos gerais, as empresas já estavam a apostar na digitalização, umas mais adiantadas que outras. Só assim foi possível que o teletrabalho pudesse ter o sucesso que teve. Diria que agora existem condições para acelerar estes processos de digitalização nas empresas. É uma realidade, estamos perante um processo sem retrocesso. Quem não potenciar esta ferramenta, será ultrapassado pelos seus concorrentes mais diretos.

Uma das agendas temáticas do Portugal 2030 prende-se com a criação de um país competitivo externamente e coeso internamente. Que mudanças de paradigmas podem as empresas adotar com o objetivo de se tornarem mais fortes do ponto de vista externo e mais resilientes internamente?

Entendo que continuamos a não olhar para as empresas que estão a montante das exportações. Só vamos conseguir aumentar as exportações e almejar atingir os 50% do PIB, se formos capazes de não esquecer o trabalho das empresas que estão na retaguarda das exportações. Também será importante reforçar o apoio de tesouraria e seguros de crédito às empresas exportadoras, pois na maior parte das situações, desde a encomenda até à entrega e recebimento dos valores, passam 6 a 8 meses. É muito pesado e pode ser condicionador na ida de muitas empresas para o mercado exportador.

Que impactos podem ter estes dois programas de apoio relativamente à criação de emprego e ao desenvolvimento económico?

Os impactos serão exponenciais se as empresas apostarem no aumento da competitividade e inovação. Estas verbas terão que permitir que o nosso tecido empresarial continue a modernizar-se e possa ombrear com os seus concorrentes internacionais. O mercado global é uma realidade e só conseguiremos vencer se estivermos em pé de igualdade.

Serão os fundos comunitários a chave para a sustentabilidade e resiliência das empresas?

Não diria que são a chave, mas sim um fator muito relevante. Os fundos permitem acelerar os processos de reindustrialização, por exemplo. A chave no desenvolvimento das empresas é a sua capacidade de se reinventarem e possuírem recursos humanos bem formados e capacitados.

Patrícia Neves

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2022-03-18T12:51:23+00:00
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