Siza Vieira: “Estamos a trabalhar para antecipar despesa por conta dos fundos”
Um Orçamento sem Novo Banco, mas com devolução do IVA. Entrevista ao ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital
Parte dos apoios à retoma nos próximos meses, e no próximo ano, está dependente de Bruxelas. Quando espera começar a receber os fundos europeus?
Essa matéria está dependente da aprovação final pelo Conselho Europeu do regulamento destes fundos. Estamos a trabalhar na possibilidade de encontrar soluções em que o Estado possa antecipar alguma despesa por conta dos fundos que irá receber, de maneira que não fiquemos inibidos da capacidade de executar medidas e programas urgentes, pela circunstância de os fundos só estarem disponíveis mais lá à frente.
E poderia antecipar a partir de quando?
Estamos a trabalhar para o mais rapidamente possível criarmos as condições para isso. Não gosto de dar garantias relativamente a coisas que não tenho a certeza que vão ocorrer, mas posso dizer que estamos a trabalhar na forma de conseguirmos dispor de recursos para não deixarmos de realizar a despesa necessária porque só vamos ter transferências de Bruxelas a partir do próximo ano.
Estes são valores nunca vistos e é uma ajuda que vai durar várias legislaturas. Como vai ser gerido este dinheiro, será necessário criar estruturas específicas?
Este tema da execução é muito importante porque este plano de recuperação e resiliência não segue a lógica dos fundos europeus normais, portanto continuamos a ter autoridades de gestão e organismos intermédios que vão executar o resto do PT2020 e o próximo PT2030. Mas este programa tem uma lógica bastante diferente: os projetos são aprovados antes de começar a execução e os desembolsos que a União faz são em função do progresso relativamente a metas e objetivos contratualizados. Do ponto de vista da execução, o mais importante é sermos capazes de fazer parcerias com vários atores. Se concentramos tudo na administração central, seguramente não vamos ter capacidade…
Não vamos assistir a uma estrutura de missão para execução…
Vamos ter que, no Ministério do Planeamento, concentrar a gestão e controlo de execução deste programa. Mas, na verdade, a execução há de ser contabilizada com autarquias, empresas, um conjunto de entidades dentro e fora do Estado. Parceiros do setor social que possam multiplicar as iniciativas de execução. Aquilo que também temos de assegurar é que todos estes mecanismos são claramente transparentes, que os critérios de seleção de projetos e formas de execução são claros para todos os cidadãos e que conseguimos prestar contas atempadamente do que estamos a realizar.
Nesta semana anunciou que o apoio às empresas vai ser alargado para quebras de faturação a partir de 25% (em vez de 40%). É um sinal de que a crise está a ser mais profunda que previsto?
Não. O importante é dar algum sinal de tranquilidade às empresas. Um exemplo: no setor industrial, temos um conjunto de empresas a trabalhar um pouco abaixo da capacidade do ano passado, algumas acima, outras francamente abaixo. Mas vão-se aguentando. O receio que têm é não saber quanto tempo vão estar a trabalhar a este ritmo, se terão uma quebra grande no mês que vem, no início do ano; num segundo confinamento…
Está a admitir um novo confinamento?
Não é esse o cenário em que está a trabalhar o governo – nem os outros governos. Estamos a tentar, a partir do momento em que temos melhor conhecimento do comportamento da doença, que a sociedade está mais capacitada para gerir comportamentos, com distanciamento físico, de máscara, etc. A capacidade acrescida de testagem que nos permite imediatamente atuar sobre casos e quebrar essas cadeias de contágio. Julgamos que a sociedade está mais bem preparada para evitar um grande crescimento do contágio sem necessidade de confinamento. Em março/abril, o vírus chegou aqui e foi como fogo na pradaria. Não havia nenhuma barreira, não sabíamos o que fazer, como tratar a doença, não tínhamos os serviços de saúde capacitados, a proteção imediata foi “vamo-nos fechar em casa porque assim não há maneira de transmitirmos o vírus”. Agora temos os locais de trabalho adaptados, locais de consumo com cuidados, sabemos como nos comportar para reduzir o risco, a capacidade de testagem mais que duplicou relativamente a abril ou maio, os serviços de saúde estão mais robustecidos… Parece-nos possível mitigar o crescimento da pandemia, sobretudo tratar melhor os casos que precisam de atenção hospitalar, sem necessidade de novo confinamento. E por isso estamos a mitigar esses riscos. Mas ninguém pode garantir nada nesta matéria. Sobretudo, os agentes económicos funcionam com algum receio perante a incerteza. Esta mensagem do novo patamar é basicamente dizer que se porventura, num qualquer momento, sentirem que a sua atividade pode cair, tenham a certeza de que podem reduzir o período de trabalho dos trabalhadores e terão apoio do Estado. Isto não está dependente de terem estado previamente em lay-off, de terem estado um mês a trabalhar a 100% e depois terem quebra de faturação… É uma espécie de rede de segurança, de seguro para manutenção do emprego.
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