Entrevista Joana Garoupa

“As empresas têm de aprender a viver com o digital”

Trabalhou em grandes empresas como a Siemens, foi Diretora de Marketing da Galp e é uma das mulheres mais jovens a chegar a um cargo de liderança em Portugal. Joana Garoupa lançou o livro “Manual de Sobrevivência para o Mundo Corporativo” no qual aborda temas fundamentais do mundo das empresas.

Apaixonada pela gestão de talentos, Joana acredita que o futuro das empresas está na formação e na aposta nas pessoas, e defende que as empresas têm que aprender a viver com o digital.

Em entrevista à Start PME, Joana Garoupa fala sobre liderança, sobre a importância do erro e da capacidade de adaptação para chegar ao sucesso num mundo empresarial competitivo, como aquele em que vivemos nos dias de hoje.

Era um sonho trabalhar numa grande empresa como a Siemens ou a Galp? Quais foram os maiores ensinamentos que retirou do seu percurso profissional?

A minha aventura no mundo corporativo começou na Siemens. Na realidade, quando aceitei o desafio, a minha intenção era complementar a minha experiência de agência - já tinha trabalhado em agências de Relações Públicas, eventos e publicidade. O meu plano era ter a componente de experiência empresarial para perceber melhor a cabeça dos "clientes". O que é facto é que não voltei ao mundo das agências. Gostei da dinâmica, do jogo e da atmosfera de "mundo" que se vive nestas empresas. Não tinha a ambição de trabalhar na empresa x ou y. Aconteceu naturalmente. Os ensinamentos da minha vida profissional, todos eles, estão refletidos no meu livro. Na prática, resume-se a ter uma atitude positiva perante as adversidades, não deixar de ser quem somos e conhecermo-nos bem. Os capítulos do livro espelham bem o seu conteúdo.

A ocupação de cargos de chefia por mulheres, principalmente em grandes empresas, ainda tem pouca expressão em Portugal. Na sua visão, o que tem de mudar para as mulheres começarem a ser aceites em cargos de chefia? Será uma questão de mentalidade ou apenas cultural?

Eu acho que tem muito a ver com as áreas de atividade. Por exemplo, na minha área que é a da comunicação e dos recursos humanos, já existem muitas mulheres em cargos de liderança. Quando estava a começar a minha carreira na área da comunicação já existia um conjunto considerável de mulheres como CEO de agências de publicidade, como por exemplo, Rosalina Machado [publicitária, tendo sido a primeira mulher a liderar uma empresa multinacional em Portugal] e Vera Nobre da Costa [um dos nomes mais conceituados da publicidade em Portugal]. Por outro lado, quando entrei no universo das empresas de engenharia e IT, notei que aí ainda existem poucas mulheres em cargos de liderança. Na minha opinião, esta menor representatividade feminina pode ser explicada pelo facto de existirem menos mulheres a seguirem as áreas das matemáticas, técnicas e digitais. Mesmo nos cursos de engenharia existem menos mulheres do que homens.

Portanto há um tema, a mulher entrou no mercado de trabalho mais tarde, por isso é normal que demore mais tempo a chegar aos cargos de chefia. E o facto de ter começado mais tarde significa que a organização do mundo empresarial estava pensada para o homem, no sentido em que, faz-se negócios ao jantar e uma mulher não se sente muito à vontade nessa situação. Os homens são, por natureza, seres sociais, gostam de ir jogar futebol e conhecem outros gestores durante os jogos. As mulheres por questões variadas, como por exemplo, gostam de cuidar dos filhos ou realizam outras atividades exteriores ao meio profissional, normalmente acabam o trabalho e vão a correr para casa. Efetivamente, o mundo empresarial estava um pouco montado em redor das regras dos homens. O que se está a tentar fazer agora, e eu acho com algum sucesso, é através das quotas acelerar-se a mudança desses hábitos. O tema é esse: tudo o que é mudança custa um bocadinho e efetivamente, a forma de fazer negócio mudou. Quantas mais mulheres tivermos na nossa sociedade a ocuparem cargos de liderança, a mostrar que é possível fazer estas carreiras, mais mudanças importantes podem ser aplicadas no mundo do trabalho.

Pessoalmente, considero que nas empresas é importante deixar este assunto fluir e que com esta questão das quotas estão reunidas as condições para se proceder a mudanças na forma de trabalhar numa empresa. Todavia, não nos podemos deixar influenciar por todo este processo. Agora existe uma tendência para se dizer que a mulher apenas foi escolhida para aquele cargo de liderança, devido às quotas e que o mundo do trabalho está bom é para as mulheres. Quando algum colega de trabalho me diz isto eu digo sempre que o mundo do trabalho esteve bom para os homens durante muitos anos e eles nunca se queixaram. O ponto é este: as coisas vão acontecer, as quotas vieram ajudar e esperemos que daqui a alguns anos já não seja necessário estarmos a falar sobre este tema, ou seja, que já seja natural ver uma mulher num cargo de liderança.

Como é ser mulher com um cargo de chefia?

Quando voltei à Siemens como Diretora de Comunicação era a única mulher nas reuniões de direção. A minha situação era um pouco desconfortável. Era mulher, a mais nova, ainda por cima numa área como a Comunicação, que nem sempre é muito valorizada ou considerada como séria. Tudo isto era um pouco penoso para mim. Nas reuniões de direção sentia-me sempre um bocadinho “a imberbe”. Esta situação durou até que um dia pensei: “o que eu quero é sentir-me parte deste grupo”, percebendo posteriormente que teria de fazer alguma coisa para me conseguir integrar. As reuniões começavam efetivamente à segunda-feira de manhã, sempre com o resumo do futebol.

Todos eles entravam a tecer comentários sobre o que se passou durante o fim-de-semana no futebol e eu não percebia nada de futebol. Então, pedi a uma amiga minha que é jornalista de desporto para me dar umas noções básicas sobre os maiores clubes e comecei a ler o jornal “A Bola”, para na segunda-feira conseguir chegar à reunião e ter material para interagir com os restantes elementos e conseguir construir uma conversa com eles. Entretanto, entrou outra mulher para a área Jurídica e efetivamente as coisas foram mudando. As conversas que existiam nessas reuniões, ao fim de um ano, com duas ou três mulheres presentes nas reuniões deixaram de existir. E, portanto, deixou de ser desconfortável para mim, que era a única mulher e para eles que me viam como um “alien”. De repente, o cenário mudou. Já estavam presentes mais mulheres e eles deixaram de falar de futebol e passaram a falar de outros assuntos mais inclusivos.

A Joana lançou no passado mês de fevereiro um livro intitulado de “Manual de Sobrevivência para o Mundo Corporativo”. Quais são as ferramentas e habilidades que considera fundamentais para “sobreviver” no mundo empresarial?

Qualquer pessoa que trabalhe numa grande empresa tem sempre o objetivo de crescer e de evoluir enquanto profissional. Na esfera corporativa, uma pessoa deve estar sempre predisposta a aprender, com o intuito de evoluir profissionalmente. Algumas das qualidades que considero importantes no mundo empresarial são: capacidade analítica, empatia, ter um bom líder, o que propicia a retenção de talento, contribuir para a criação de um bom ambiente de trabalho, gostar muito daquilo que se faz, arriscar e, a mais importante, ser-se flexível. No mundo empresarial, a flexibilidade consiste em quando se entra numa empresa, ter a capacidade de nos adaptarmos às normas, regras e contextos previamente definidos. Temos de nos ajustar ao contexto que encontramos para depois conseguirmos fazer o nosso melhor, dentro da função que estaremos a desempenhar. Essencialmente, esta é a grande ferramenta de que se necessita no mundo empresarial: a capacidade de adaptação.

Como surgiu a ideia do livro e que mensagens é que ele transmite? Quais os temas fundamentais que aborda neste livro?

O convite para o livro partiu da editora, eles tinham visto uma entrevista minha a um programa do Fred Canto e Castro [motivador de empresas e de carreiras], gostaram e desafiaram-me a escrever um livro com a perspetiva feminina do mundo empresarial e eu, na realidade, sempre gostei de escrever. Achei piada ao convite e disse logo que sim. Confesso que depois entrou a pandemia, e com o caos a história de escrever o livro ficou parada. Em meados do ano passado, talvez no rescaldo da pandemia, achei que fazia sentido retomar o projeto e fomos trocando impressões. Na realidade, o que pretendia com este livro era incentivar as pessoas que o liam, quer fossem mulheres ou homens, acima de tudo a serem positivas na forma como olham para os seus desafios e para os seus obstáculos, fornecendo também algumas ferramentas que podem ser úteis a quem anda no mundo empresarial.

Alguns dos temas que abordo no livro são: a liderança, a gestão de pessoas - um elemento preponderante para o sucesso de uma empresa, o erro, a confiança, fazer apresentações em público - um dos principais obstáculos de muitos líderes, e por fim, falo de marca pessoal que também é muito importante. Esta série de temas que abordo no livro são essenciais para quem quer fazer carreira, seja em empresas grandes ou pequenas, tendo tentado que fosse um livro muito prático e muito objetivo. Não é um livro para se ler de “fio a pavio”, é para se ir lendo. Este livro foi concebido para que, ao longo do seu percurso profissional, uma pessoa possa voltar a ler um determinado capítulo que faça sentido para a fase onde se encontra. Acima de tudo é um livro de desenvolvimento pessoal, no qual tentei desafiar as pessoas a pensarem um pouco sobre a sua vivência profissional.

No seu livro “Manual de Sobrevivência para o Mundo Corporativo”, a Joana dedica um capítulo somente ao erro. No mundo corporativo como é encarado o erro? Existe alguma relação entre o sucesso e o erro?

Nós somos educados desde pequeninos a reprimir o erro. Quando somos crianças, se fazemos algo de errado levamos com uma pancada e aprendemos que não se faz isso novamente. Na grande maioria das vezes não explicamos às crianças o porquê de, por exemplo, não se poder pôr o dedo numa tomada, apenas nos limitamos a condenar essa ação. No mundo empresarial acontece uma situação semelhante, havendo uma tendência para não se valorizar o erro. Contudo, não costumo utilizar a palavra erro, pois esta simboliza que aconteceu algo que não tem volta a dar. Ou seja, o erro consiste em fazer algo que não dá para corrigir posteriormente. Pessoalmente, prefiro a utilização da palavra falha, na medida em que, partimos do princípio que tentamos uma vez e falhamos, percebemos o que correu menos bem e tentamos uma segunda vez. No mundo empresarial, quando uma pessoa diz: “sou muito experiente”, isto significa que ela já falhou muito, o que quer dizer que antes de fazer uma coisa bem, já fez várias vezes mal. Considero que se deveria vangloriar este tema das falhas.

Numa empresa onde trabalhei, todas as sextas-feiras após o almoço havia um encontro no qual se celebrava o sucesso da semana. O interessante desta iniciativa prende-se com o facto de nós não partilharmos apenas as conquistas, mas também as falhas da semana. Por exemplo: quando alguém partilhava que falou com determinado cliente, e esse mesmo cliente utilizou um tom de voz pouco amigável, tendo sido particularmente meticuloso nas suas afirmações, todos os membros da equipa ficavam a saber o que esperar quando falassem com aquele cliente. Era um processo bastante construtivo e interessante, e talvez seja por isso que valorizo tanto o erro, mas no bom sentido, como uma forma de aprendizagem típica de quem se propõe a fazer alguma coisa.

O sucesso e o erro estão relacionados, na medida em que, só se consegue chegar ao sucesso se errarmos muitas vezes e retirarmos conclusões construtivas de cada erro. Grandes empresas como a Apple ou a Google, passaram por um processo de aprendizagem, tornando-se empresas de sucesso porque nunca tiveram medo de arriscar, de avançar, de tentar, de experimentar e com isso conquistaram o sucesso que têm atualmente.

Com base na sua experiência profissional, quais considera serem os maiores desafios das grandes empresas em Portugal? E das PME?

Um dos grandes desafios das grandes empresas em Portugal prende-se com o papel de liderança, ou seja, garantir que têm as pessoas certas à frente dos negócios, o que irá proporcionar também uma maior capacidade de retenção de talento. As pessoas certas nos locais certos, possibilitam não só um aumento da produtividade, como também, permitem criar um bom ambiente de trabalho que cative as pessoas a ficarem na empresa. Atualmente, os desafios económicos das empresas estão relacionados com as matérias-primas e o facto de estas estarem dependentes de subsídios.

Relativamente às PME, podemos apontar a ambição como um dos principais desafios com que se deparam, na medida em que, quando decidem abrir um negócio não pensam na sua expansão, no seu crescimento. Na minha opinião, aos empresários portugueses falta um pouco de ambição, de capacidade para arriscar, porque se não se pensar em grande, nunca iremos conseguir ser grandes. Se compararmos esta situação com os empresários americanos que quando conceptualizam um negócio fazem-no logo a uma grande escala, tudo sem considerar se irão ter lucro ou prejuízo, ou seja, não têm medo de arriscar quando se trata de negócios, observamos uma grande diferença em termos de mentalidade.

Outro desafio que se deve referir prende-se como digital, ou seja, as empresas quer sejam pequenas, médias ou grandes, têm de aprender a viver com o digital e devem ter a certeza que as suas pessoas se sentem confortáveis com o mesmo, sob pena de perderem a sua competitividade no mercado. O digital é incontornável e sinto que há algumas empresas que apresentam alguma dificuldade em gerir esse assunto.

Na questão referiu a diferença que existe entre a mentalidade de um empresário português e de um empresário americano. Como define a mentalidade de um empresário português em comparação com a mentalidade americana?

A mentalidade de um empresário português é uma mentalidade muito europeia. Enquanto que os americanos, “antes de fazerem, já estão a dizer que vão fazer”. Como por exemplo: o Elon Musk está a fazer charters para ir a Marte, mas antes de fazer já está a anunciar que irá fazer. Os europeus por seu lado, são muito mais conservadores, primeiro fazem, depois testam e só depois é que anunciam que fizeram. A chave para o sucesso do empresário português está assente essencialmente no fazer bem, pensar em grande e conceptualizar o negócio num ponto de vista global em vez de somente local. Em suma, a grande diferença entre a mentalidade do empresário português e do americano, prende-se com questões culturais e de formas de estar na vida. Do meu ponto de vista, elementos como a ambição e a vontade dos americanos deveriam ser implementados no mercado empresarial português, de modo a promover não só o seu crescimento, como também, a sua dinamização.

Portugal tem apostado na criação de apoios estruturais para empresas recorrendo a fundos europeus e apoios comunitários. Como olha para estes apoios? As grandes empresas portuguesas recorrem a este tipo de financiamento? Estes apoios podem ser uma forma de ultrapassar os obstáculos com que se deparam?

Acho que estes apoios são muito bem-vindos. Não tenho um grande conhecimento sobre esta tipologia de apoios, apenas vou lendo algumas coisas sobre isso. O meu ponto relativamente aos apoios financeiros é que se existem, deve-se tentar encontrar a forma mais eficaz e correta de as empresas chegarem até eles. Considero que os apoios às empresas podem ser boas alavancas para estas ultrapassarem os obstáculos com que se deparam, contudo sou apologista que uma empresa não deve ficar dependente de apoios e subsídios sob pena de colocar em risco a sua sobrevivência a longo prazo. Utilizar estes incentivos e estes apoios para as empresas se conseguirem alavancar, de modo a ultrapassarem todas as consequências inerentes à pandemia e poderem crescer e terem uma visão ampla do futuro, penso que seria a estratégia ideal. Deve-se olhar para os apoios e subsídios como uma forma de injeção de capital que permite levar a empresa para outro caminho, ou seja, para a etapa seguinte de crescimento. Acho que se as empresas tiverem esta forma de olharem para os incentivos, considero que vamos assistir a grandes crescimentos e ao surgimento de novas empresas com outras perspetivas.

O que mudou na gestão de equipas depois da pandemia? O trabalho remoto veio dificultar o trabalho em equipa? Como se gerem as equipas no pós-pandemia?

Pela minha experiência, existiram vários managers de equipas que não se adaptaram a este formato. Eram pessoas com determinadas características que durante a pandemia acabaram por ficar “engolidas” pelos novos sistemas e pela gestão à distância. Pelo contrário, também existiu um conjunto de pessoas que se adaptou de uma forma interessante, tendo-se revelado profissionais diferentes em comparação com o ambiente de trabalho presencial. Acho que a pandemia trouxe para o mundo do trabalho um conjunto de coisas positivas, como por exemplo: mais organização e mais proximidade. Todavia, no início trouxe uma grande confusão entre a vida familiar e a vida profissional, contudo levou a que as pessoas também olhassem de uma forma diferente para o trabalho.

Este facto levou à ascensão do movimento “The Great Resignation”, no qual as pessoas se estão a despedir e a procurar novos desafios profissionais. Pessoalmente, o pós-pandemia tem me deixado um pouco desiludida, porque sinto que existe uma pressão “transparente” de chamar as pessoas novamente para o escritório. Apesar de muitas empresas terem instituído o trabalho híbrido, existe a pressão de se ter de ser visto no escritório, como existia antigamente. Espero que as empresas que tenham alguma visão sobre o futuro do trabalho percebam que este não pode ser o caminho. O caminho tem de ser algures no meio.

Considera que as empresas em Portugal serão capazes de se adaptarem a esta nova realidade de trabalho?

Tenho muitas dúvidas. Acredito que sim e acredito que não existe nenhuma hipótese alternativa. Acho que as pessoas vão exigir cada vez mais esta conciliação entre a vida pessoal e a vida profissional e o trabalho híbrido permite que isso aconteça. Considero que o ano de 2022, vai ser determinante para a consolidação do modelo de trabalho a seguir. Na minha opinião o trabalho híbrido é a solução ideal, contudo isso significa confiar, trabalhar por projetos, por objetivos, o que depois irá permitir a valorização pelo mérito e não pelos horários de trabalho só porque se está no escritório. Os métodos de trabalho híbrido que vejo a surgir apresentam um conjunto de elementos positivos, contudo é necessário que os deixem fluir, algo que eu acredito que não seja muito fácil.

Na sua opinião, quais são as caraterísticas principais de um bom líder?

Acima de tudo, um bom líder é aquele que faz com que as pessoas que trabalham com ele se sintam valorizadas ou reconhecidas. Caso não se sintam valorizadas ou reconhecidas, devem sentir-se pelo menos entendidas, no sentido em que lhes dá espaço para dizer o que acham e onde se tenta entender o ponto de vista das mesmas. Um bom líder é aquele que está a olhar para a sua equipa e que apresenta a capacidade de retirar o melhor de cada membro. Há vários cursos de gestão de pessoas, de liderança, de gestão de comportamentos de equipas, mas na realidade sinto que gerir pessoas é algo que não se aprende.

A gestão de pessoas assenta no seguinte processo: fazer, falhar e aprender de modo a construir cada vez melhores equipas. Os líderes atualmente têm de ser mais empáticos, mais abertos, mais frágeis e ter a capacidade de demonstrar essa mesma fragilidade, ou seja, têm de ser mais humanos. Antigamente existia a mentalidade de que o líder é que sabe e ninguém ousava questionar as suas decisões. Pessoalmente considero que o papel de liderança antigamente era mais branco e preto, sendo que atualmente é muito mais cinzento. O grande desafio da liderança nos dias de hoje, prende-se com tentar conciliar o papel de liderança de antigamente com o de atualmente, ou seja, construindo um líder mais humano, mas com a capacidade de se impor quando considerar necessário.

De que forma ocorre a evolução profissional numa grande empresa? Existe uma aposta na qualificação dos colaboradores?

A aposta na qualificação dos trabalhadores depende muito de empresa para empresa. Pessoalmente valorizo muito e a Siemens tinha isso. A Galp encontrava-se em fase de implementação deste sistema. Nas agências de comunicação menos, que são os planos de carreira. A pessoa quando entra numa empresa tem noção que ao fim de um determinado período de tempo, aquelas são as oportunidades que existem e o que é que poderá fazer sentido, e em função desse plano de carreira dentro da organização, existe a formação adequada, há conferências e outros elementos formativos. As empresas apostam nos seus recursos. Claro que depois têm de existir avaliações anuais com o intuito de perceber se o recurso está ou não está a cumprir com os requisitos da sua função. Não tenho quaisquer dúvidas que nos dias que correm quem não tem formação fica estagnado. A velocidade com que as coisas mudam é incrível. Não é um curso tirado há dois anos, que passado dez anos já não interessa nada, o mundo nessa altura já mudou todo. Dar formação é das coisas mais importantes que uma empresa pode dar aos seus colaboradores. Porque na realidade um colaborador sem formação, acaba por ficar ultrapassado.

Para responder à questão, acho que as empresas devem apostar na formação, devem apostar nas pessoas, na medida em que, elas são o elemento principal do processo produtivo. Quando estamos numa empresa gostamos de sentir que alguém olhou para nós, que nos deu valor, que nos ouviu e teve a nossa opinião em consideração, que está a apostar em nós. Quanto mais apostam em nós, mais queremos dar. E esta é toda uma filosofia de gestão que considero proveitosa para as empresas. Na realidade, com a formação, um colaborador vai ficar melhor naquilo que já fazia. A priori onde é que o colaborador vai aplicar os conhecimentos adquiridos? Na empresa. É sempre benéfico para as empresas o investimento na formação dos colaboradores, até porque é um investimento e não um custo, como muitas vezes se quer fazer crer.

A inovação e a criatividade são dois elementos importantes para o sucesso de uma empresa. Como são encarados estes dois elementos no seio de uma grande empresa? Os colaboradores têm liberdade e autonomia para propor e defender as suas próprias ideias?

Mais uma vez acho que esta questão depende muito de empresa para empresa. Há uma filosofia de aumentar a flexibilidade relativamente a estes temas. Mas repito, as grandes empresas, por definição, têm uma série de regras que existem para garantirem que as empresas são iguais, onde quer que estejam. No caso da Siemens, que está em 190 países, entramos num escritório em Lisboa que não é muito diferente do escritório que existe em Madrid ou que existe em Berlim. E não tem a ver com a decoração, sentimos que há uma série de valores e de formas de estar que são comuns a todos os países. Isto significa que há guidelines, há estruturas, há realmente uma partilha não só da cultura da empresa, mas de responsabilidades, na medida em que cada um sabe o seu papel. Isso é efetivamente necessário quando as empresas são grandes. Contudo, isto pode ser um entrave à inovação e criatividade.

A questão da inovação e da criatividade depende muito do departamento, da área em que trabalhas e da empresa em que estás. Há empresas grandes que são excecionais no que respeita à inovação e criatividade, na medida em que arranjaram formas de dar liberdade a estes dois elementos no decurso do seu processo produtivo. Por exemplo, o Grupo José de Mello, arranjou uma entidade dentro do grupo que só trata de inovação. E essa entidade é uma entidade flat, sem hierarquia. Na prática, percebeu que dentro da estrutura do grupo é difícil incentivar a criatividade e a inovação, então decidiu criar uma estrutura que apenas se dedica a isso. E como o Grupo José de Mello, a Siemens em tempos também criou uma empresa, a Next47, que realizava o trabalho de inovação e criatividade. Ou seja, as grandes empresas tendem a criar outras entidades para ajudar no percurso da implementação de conceitos como a inovação e a criatividade.

As empresas criam estas formas alternativas de implementar os conceitos de inovação e criatividade no processo produtivo, na medida em que, sem estes a sobrevivência das empresas está colocada em causa. Se não consegue fazê-lo dentro da empresa com o peso da estrutura que uma grande empresa acarreta e precisa, então é necessário arranjar formas alternativas que permitam a introdução destas sementes dentro da organização. A solução de criarem miniempresas e spinoffs que possam realizar esse trabalho, parece-me uma ótima estratégia.

A proatividade constitui uma característica importante numa esfera tão movimentada, como é o mundo corporativo. De que forma é esta característica percepcionada no mundo empresarial? Como são vistos os colaboradores que têm esta capacidade?

Acho que uma das principais características do profissional português é mesmo essa proatividade e essa flexibilidade. E trabalhando, como trabalhei em contextos internacionais, sinto que as coisas são muito mais planeadas do que em Portugal, muito detalhadas e bem pensadas. Contudo, se há algo que sai de fora daquela matriz, os outros profissionais por norma têm muita dificuldade em lidar com o facto de terem que fazer algo que não estava previamente planeado, enquanto que com o profissional português consegue arranjar soluções. Isto para dizer que, o tema da proatividade é essencial não só nas empresas, como também na nossa vida e prezo muitas empresas que valorizam a proatividade que, normalmente, pode vir conjuntamente com a falha. É preciso dar espaço para que essa proatividade aconteça. A proatividade é sempre uma característica boa, contudo umas vezes faz-se bem, outras vezes não. O mais importante é perante os obstáculos e as adversidades não perdermos o espírito proactivo.

Que conselhos daria a um jovem empreendedor na sua primeira aventura no mundo empresarial?

Quem está a começar deve ser como uma esponja: tem que absorver tudo o que está à sua volta. Ao mesmo tempo, tem que ser curioso, fazer as perguntas certas, tem que criar uma rede de network fabulosa e isso demora tempo porque precisam de ser orgânicas. Acima de tudo, não pode ter medo de falhar, porque vai falhar muitas vezes. Não deve encarar a falha como um obstáculo intransponível, porque são fases e todas as fases vão ser importantes para qualquer que seja a sua noção de sucesso a longo prazo.

Quais são os seus projetos para o futuro? Pensa regressar ao mundo das empresas?

Relativamente ao futuro, apenas tenho a certeza de uma coisa: vou efetivamente ficar no mundo empresarial. Contudo, para mim não está claro se o meu futuro passará por uma grande empresa ou se me irei dedicar a empresas mais pequenas e contribuir com o meu conhecimento para o seu crescimento. Acima de tudo, quero trabalhar em algo que tenha um impacto real nas pessoas. O que eu sinto falta às vezes nestas grandes corporações como a Siemens e a Galp é que estão muito distantes da realidade do dia a dia.

Sinto falta de trabalhar em situações que sejam impactantes para as pessoas no seu dia a dia. Por isso, estou inclinada para projetos mais pequenos, com mais significado, independentemente do tema carreira empresarial ainda estar muito presente na minha cabeça, não num contexto tão grande, mas sim de ajudar as empresas portuguesas mais pequenas a crescer. Além do objetivo de ajudar empresas mais pequenas, também me encontro a tirar um curso de Harvard, denominado “Sustainable Business Strategy”. Os meus objetivos futuros são não deixar de ser curiosa - que sempre fui - estar a par das novas tendências, e sim, emprestar o meu conhecimento às empresas que possam estar a precisar.

Patrícia Neves

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2022-05-19T14:06:05+01:00

“As empresas têm de aprender a viver com o digital”

Trabalhou em grandes empresas como a Siemens, foi Diretora de Marketing da Galp e é uma das mulheres mais jovens a chegar a um cargo de liderança em Portugal. Joana Garoupa lançou o livro “Manual de Sobrevivência para o Mundo Corporativo” no qual aborda temas fundamentais do mundo das empresas.

Apaixonada pela gestão de talentos, Joana acredita que o futuro das empresas está na formação e na aposta nas pessoas, e defende que as empresas têm que aprender a viver com o digital.

Em entrevista à Start PME, Joana Garoupa fala sobre liderança, sobre a importância do erro e da capacidade de adaptação para chegar ao sucesso num mundo empresarial competitivo, como aquele em que vivemos nos dias de hoje.

Era um sonho trabalhar numa grande empresa como a Siemens ou a Galp? Quais foram os maiores ensinamentos que retirou do seu percurso profissional?

A minha aventura no mundo corporativo começou na Siemens. Na realidade, quando aceitei o desafio, a minha intenção era complementar a minha experiência de agência - já tinha trabalhado em agências de Relações Públicas, eventos e publicidade. O meu plano era ter a componente de experiência empresarial para perceber melhor a cabeça dos "clientes". O que é facto é que não voltei ao mundo das agências. Gostei da dinâmica, do jogo e da atmosfera de "mundo" que se vive nestas empresas. Não tinha a ambição de trabalhar na empresa x ou y. Aconteceu naturalmente. Os ensinamentos da minha vida profissional, todos eles, estão refletidos no meu livro. Na prática, resume-se a ter uma atitude positiva perante as adversidades, não deixar de ser quem somos e conhecermo-nos bem. Os capítulos do livro espelham bem o seu conteúdo.

A ocupação de cargos de chefia por mulheres, principalmente em grandes empresas, ainda tem pouca expressão em Portugal. Na sua visão, o que tem de mudar para as mulheres começarem a ser aceites em cargos de chefia? Será uma questão de mentalidade ou apenas cultural?

Eu acho que tem muito a ver com as áreas de atividade. Por exemplo, na minha área que é a da comunicação e dos recursos humanos, já existem muitas mulheres em cargos de liderança. Quando estava a começar a minha carreira na área da comunicação já existia um conjunto considerável de mulheres como CEO de agências de publicidade, como por exemplo, Rosalina Machado [publicitária, tendo sido a primeira mulher a liderar uma empresa multinacional em Portugal] e Vera Nobre da Costa [um dos nomes mais conceituados da publicidade em Portugal]. Por outro lado, quando entrei no universo das empresas de engenharia e IT, notei que aí ainda existem poucas mulheres em cargos de liderança. Na minha opinião, esta menor representatividade feminina pode ser explicada pelo facto de existirem menos mulheres a seguirem as áreas das matemáticas, técnicas e digitais. Mesmo nos cursos de engenharia existem menos mulheres do que homens.

Portanto há um tema, a mulher entrou no mercado de trabalho mais tarde, por isso é normal que demore mais tempo a chegar aos cargos de chefia. E o facto de ter começado mais tarde significa que a organização do mundo empresarial estava pensada para o homem, no sentido em que, faz-se negócios ao jantar e uma mulher não se sente muito à vontade nessa situação. Os homens são, por natureza, seres sociais, gostam de ir jogar futebol e conhecem outros gestores durante os jogos. As mulheres por questões variadas, como por exemplo, gostam de cuidar dos filhos ou realizam outras atividades exteriores ao meio profissional, normalmente acabam o trabalho e vão a correr para casa. Efetivamente, o mundo empresarial estava um pouco montado em redor das regras dos homens. O que se está a tentar fazer agora, e eu acho com algum sucesso, é através das quotas acelerar-se a mudança desses hábitos. O tema é esse: tudo o que é mudança custa um bocadinho e efetivamente, a forma de fazer negócio mudou. Quantas mais mulheres tivermos na nossa sociedade a ocuparem cargos de liderança, a mostrar que é possível fazer estas carreiras, mais mudanças importantes podem ser aplicadas no mundo do trabalho.

Pessoalmente, considero que nas empresas é importante deixar este assunto fluir e que com esta questão das quotas estão reunidas as condições para se proceder a mudanças na forma de trabalhar numa empresa. Todavia, não nos podemos deixar influenciar por todo este processo. Agora existe uma tendência para se dizer que a mulher apenas foi escolhida para aquele cargo de liderança, devido às quotas e que o mundo do trabalho está bom é para as mulheres. Quando algum colega de trabalho me diz isto eu digo sempre que o mundo do trabalho esteve bom para os homens durante muitos anos e eles nunca se queixaram. O ponto é este: as coisas vão acontecer, as quotas vieram ajudar e esperemos que daqui a alguns anos já não seja necessário estarmos a falar sobre este tema, ou seja, que já seja natural ver uma mulher num cargo de liderança.

Como é ser mulher com um cargo de chefia?

Quando voltei à Siemens como Diretora de Comunicação era a única mulher nas reuniões de direção. A minha situação era um pouco desconfortável. Era mulher, a mais nova, ainda por cima numa área como a Comunicação, que nem sempre é muito valorizada ou considerada como séria. Tudo isto era um pouco penoso para mim. Nas reuniões de direção sentia-me sempre um bocadinho “a imberbe”. Esta situação durou até que um dia pensei: “o que eu quero é sentir-me parte deste grupo”, percebendo posteriormente que teria de fazer alguma coisa para me conseguir integrar. As reuniões começavam efetivamente à segunda-feira de manhã, sempre com o resumo do futebol.

Todos eles entravam a tecer comentários sobre o que se passou durante o fim-de-semana no futebol e eu não percebia nada de futebol. Então, pedi a uma amiga minha que é jornalista de desporto para me dar umas noções básicas sobre os maiores clubes e comecei a ler o jornal “A Bola”, para na segunda-feira conseguir chegar à reunião e ter material para interagir com os restantes elementos e conseguir construir uma conversa com eles. Entretanto, entrou outra mulher para a área Jurídica e efetivamente as coisas foram mudando. As conversas que existiam nessas reuniões, ao fim de um ano, com duas ou três mulheres presentes nas reuniões deixaram de existir. E, portanto, deixou de ser desconfortável para mim, que era a única mulher e para eles que me viam como um “alien”. De repente, o cenário mudou. Já estavam presentes mais mulheres e eles deixaram de falar de futebol e passaram a falar de outros assuntos mais inclusivos.

A Joana lançou no passado mês de fevereiro um livro intitulado de “Manual de Sobrevivência para o Mundo Corporativo”. Quais são as ferramentas e habilidades que considera fundamentais para “sobreviver” no mundo empresarial?

Qualquer pessoa que trabalhe numa grande empresa tem sempre o objetivo de crescer e de evoluir enquanto profissional. Na esfera corporativa, uma pessoa deve estar sempre predisposta a aprender, com o intuito de evoluir profissionalmente. Algumas das qualidades que considero importantes no mundo empresarial são: capacidade analítica, empatia, ter um bom líder, o que propicia a retenção de talento, contribuir para a criação de um bom ambiente de trabalho, gostar muito daquilo que se faz, arriscar e, a mais importante, ser-se flexível. No mundo empresarial, a flexibilidade consiste em quando se entra numa empresa, ter a capacidade de nos adaptarmos às normas, regras e contextos previamente definidos. Temos de nos ajustar ao contexto que encontramos para depois conseguirmos fazer o nosso melhor, dentro da função que estaremos a desempenhar. Essencialmente, esta é a grande ferramenta de que se necessita no mundo empresarial: a capacidade de adaptação.

Como surgiu a ideia do livro e que mensagens é que ele transmite? Quais os temas fundamentais que aborda neste livro?

O convite para o livro partiu da editora, eles tinham visto uma entrevista minha a um programa do Fred Canto e Castro [motivador de empresas e de carreiras], gostaram e desafiaram-me a escrever um livro com a perspetiva feminina do mundo empresarial e eu, na realidade, sempre gostei de escrever. Achei piada ao convite e disse logo que sim. Confesso que depois entrou a pandemia, e com o caos a história de escrever o livro ficou parada. Em meados do ano passado, talvez no rescaldo da pandemia, achei que fazia sentido retomar o projeto e fomos trocando impressões. Na realidade, o que pretendia com este livro era incentivar as pessoas que o liam, quer fossem mulheres ou homens, acima de tudo a serem positivas na forma como olham para os seus desafios e para os seus obstáculos, fornecendo também algumas ferramentas que podem ser úteis a quem anda no mundo empresarial.

Alguns dos temas que abordo no livro são: a liderança, a gestão de pessoas - um elemento preponderante para o sucesso de uma empresa, o erro, a confiança, fazer apresentações em público - um dos principais obstáculos de muitos líderes, e por fim, falo de marca pessoal que também é muito importante. Esta série de temas que abordo no livro são essenciais para quem quer fazer carreira, seja em empresas grandes ou pequenas, tendo tentado que fosse um livro muito prático e muito objetivo. Não é um livro para se ler de “fio a pavio”, é para se ir lendo. Este livro foi concebido para que, ao longo do seu percurso profissional, uma pessoa possa voltar a ler um determinado capítulo que faça sentido para a fase onde se encontra. Acima de tudo é um livro de desenvolvimento pessoal, no qual tentei desafiar as pessoas a pensarem um pouco sobre a sua vivência profissional.

No seu livro “Manual de Sobrevivência para o Mundo Corporativo”, a Joana dedica um capítulo somente ao erro. No mundo corporativo como é encarado o erro? Existe alguma relação entre o sucesso e o erro?

Nós somos educados desde pequeninos a reprimir o erro. Quando somos crianças, se fazemos algo de errado levamos com uma pancada e aprendemos que não se faz isso novamente. Na grande maioria das vezes não explicamos às crianças o porquê de, por exemplo, não se poder pôr o dedo numa tomada, apenas nos limitamos a condenar essa ação. No mundo empresarial acontece uma situação semelhante, havendo uma tendência para não se valorizar o erro. Contudo, não costumo utilizar a palavra erro, pois esta simboliza que aconteceu algo que não tem volta a dar. Ou seja, o erro consiste em fazer algo que não dá para corrigir posteriormente. Pessoalmente, prefiro a utilização da palavra falha, na medida em que, partimos do princípio que tentamos uma vez e falhamos, percebemos o que correu menos bem e tentamos uma segunda vez. No mundo empresarial, quando uma pessoa diz: “sou muito experiente”, isto significa que ela já falhou muito, o que quer dizer que antes de fazer uma coisa bem, já fez várias vezes mal. Considero que se deveria vangloriar este tema das falhas.

Numa empresa onde trabalhei, todas as sextas-feiras após o almoço havia um encontro no qual se celebrava o sucesso da semana. O interessante desta iniciativa prende-se com o facto de nós não partilharmos apenas as conquistas, mas também as falhas da semana. Por exemplo: quando alguém partilhava que falou com determinado cliente, e esse mesmo cliente utilizou um tom de voz pouco amigável, tendo sido particularmente meticuloso nas suas afirmações, todos os membros da equipa ficavam a saber o que esperar quando falassem com aquele cliente. Era um processo bastante construtivo e interessante, e talvez seja por isso que valorizo tanto o erro, mas no bom sentido, como uma forma de aprendizagem típica de quem se propõe a fazer alguma coisa.

O sucesso e o erro estão relacionados, na medida em que, só se consegue chegar ao sucesso se errarmos muitas vezes e retirarmos conclusões construtivas de cada erro. Grandes empresas como a Apple ou a Google, passaram por um processo de aprendizagem, tornando-se empresas de sucesso porque nunca tiveram medo de arriscar, de avançar, de tentar, de experimentar e com isso conquistaram o sucesso que têm atualmente.

Com base na sua experiência profissional, quais considera serem os maiores desafios das grandes empresas em Portugal? E das PME?

Um dos grandes desafios das grandes empresas em Portugal prende-se com o papel de liderança, ou seja, garantir que têm as pessoas certas à frente dos negócios, o que irá proporcionar também uma maior capacidade de retenção de talento. As pessoas certas nos locais certos, possibilitam não só um aumento da produtividade, como também, permitem criar um bom ambiente de trabalho que cative as pessoas a ficarem na empresa. Atualmente, os desafios económicos das empresas estão relacionados com as matérias-primas e o facto de estas estarem dependentes de subsídios.

Relativamente às PME, podemos apontar a ambição como um dos principais desafios com que se deparam, na medida em que, quando decidem abrir um negócio não pensam na sua expansão, no seu crescimento. Na minha opinião, aos empresários portugueses falta um pouco de ambição, de capacidade para arriscar, porque se não se pensar em grande, nunca iremos conseguir ser grandes. Se compararmos esta situação com os empresários americanos que quando conceptualizam um negócio fazem-no logo a uma grande escala, tudo sem considerar se irão ter lucro ou prejuízo, ou seja, não têm medo de arriscar quando se trata de negócios, observamos uma grande diferença em termos de mentalidade.

Outro desafio que se deve referir prende-se como digital, ou seja, as empresas quer sejam pequenas, médias ou grandes, têm de aprender a viver com o digital e devem ter a certeza que as suas pessoas se sentem confortáveis com o mesmo, sob pena de perderem a sua competitividade no mercado. O digital é incontornável e sinto que há algumas empresas que apresentam alguma dificuldade em gerir esse assunto.

Na questão referiu a diferença que existe entre a mentalidade de um empresário português e de um empresário americano. Como define a mentalidade de um empresário português em comparação com a mentalidade americana?

A mentalidade de um empresário português é uma mentalidade muito europeia. Enquanto que os americanos, “antes de fazerem, já estão a dizer que vão fazer”. Como por exemplo: o Elon Musk está a fazer charters para ir a Marte, mas antes de fazer já está a anunciar que irá fazer. Os europeus por seu lado, são muito mais conservadores, primeiro fazem, depois testam e só depois é que anunciam que fizeram. A chave para o sucesso do empresário português está assente essencialmente no fazer bem, pensar em grande e conceptualizar o negócio num ponto de vista global em vez de somente local. Em suma, a grande diferença entre a mentalidade do empresário português e do americano, prende-se com questões culturais e de formas de estar na vida. Do meu ponto de vista, elementos como a ambição e a vontade dos americanos deveriam ser implementados no mercado empresarial português, de modo a promover não só o seu crescimento, como também, a sua dinamização.

Portugal tem apostado na criação de apoios estruturais para empresas recorrendo a fundos europeus e apoios comunitários. Como olha para estes apoios? As grandes empresas portuguesas recorrem a este tipo de financiamento? Estes apoios podem ser uma forma de ultrapassar os obstáculos com que se deparam?

Acho que estes apoios são muito bem-vindos. Não tenho um grande conhecimento sobre esta tipologia de apoios, apenas vou lendo algumas coisas sobre isso. O meu ponto relativamente aos apoios financeiros é que se existem, deve-se tentar encontrar a forma mais eficaz e correta de as empresas chegarem até eles. Considero que os apoios às empresas podem ser boas alavancas para estas ultrapassarem os obstáculos com que se deparam, contudo sou apologista que uma empresa não deve ficar dependente de apoios e subsídios sob pena de colocar em risco a sua sobrevivência a longo prazo. Utilizar estes incentivos e estes apoios para as empresas se conseguirem alavancar, de modo a ultrapassarem todas as consequências inerentes à pandemia e poderem crescer e terem uma visão ampla do futuro, penso que seria a estratégia ideal. Deve-se olhar para os apoios e subsídios como uma forma de injeção de capital que permite levar a empresa para outro caminho, ou seja, para a etapa seguinte de crescimento. Acho que se as empresas tiverem esta forma de olharem para os incentivos, considero que vamos assistir a grandes crescimentos e ao surgimento de novas empresas com outras perspetivas.

O que mudou na gestão de equipas depois da pandemia? O trabalho remoto veio dificultar o trabalho em equipa? Como se gerem as equipas no pós-pandemia?

Pela minha experiência, existiram vários managers de equipas que não se adaptaram a este formato. Eram pessoas com determinadas características que durante a pandemia acabaram por ficar “engolidas” pelos novos sistemas e pela gestão à distância. Pelo contrário, também existiu um conjunto de pessoas que se adaptou de uma forma interessante, tendo-se revelado profissionais diferentes em comparação com o ambiente de trabalho presencial. Acho que a pandemia trouxe para o mundo do trabalho um conjunto de coisas positivas, como por exemplo: mais organização e mais proximidade. Todavia, no início trouxe uma grande confusão entre a vida familiar e a vida profissional, contudo levou a que as pessoas também olhassem de uma forma diferente para o trabalho.

Este facto levou à ascensão do movimento “The Great Resignation”, no qual as pessoas se estão a despedir e a procurar novos desafios profissionais. Pessoalmente, o pós-pandemia tem me deixado um pouco desiludida, porque sinto que existe uma pressão “transparente” de chamar as pessoas novamente para o escritório. Apesar de muitas empresas terem instituído o trabalho híbrido, existe a pressão de se ter de ser visto no escritório, como existia antigamente. Espero que as empresas que tenham alguma visão sobre o futuro do trabalho percebam que este não pode ser o caminho. O caminho tem de ser algures no meio.

Considera que as empresas em Portugal serão capazes de se adaptarem a esta nova realidade de trabalho?

Tenho muitas dúvidas. Acredito que sim e acredito que não existe nenhuma hipótese alternativa. Acho que as pessoas vão exigir cada vez mais esta conciliação entre a vida pessoal e a vida profissional e o trabalho híbrido permite que isso aconteça. Considero que o ano de 2022, vai ser determinante para a consolidação do modelo de trabalho a seguir. Na minha opinião o trabalho híbrido é a solução ideal, contudo isso significa confiar, trabalhar por projetos, por objetivos, o que depois irá permitir a valorização pelo mérito e não pelos horários de trabalho só porque se está no escritório. Os métodos de trabalho híbrido que vejo a surgir apresentam um conjunto de elementos positivos, contudo é necessário que os deixem fluir, algo que eu acredito que não seja muito fácil.

Na sua opinião, quais são as caraterísticas principais de um bom líder?

Acima de tudo, um bom líder é aquele que faz com que as pessoas que trabalham com ele se sintam valorizadas ou reconhecidas. Caso não se sintam valorizadas ou reconhecidas, devem sentir-se pelo menos entendidas, no sentido em que lhes dá espaço para dizer o que acham e onde se tenta entender o ponto de vista das mesmas. Um bom líder é aquele que está a olhar para a sua equipa e que apresenta a capacidade de retirar o melhor de cada membro. Há vários cursos de gestão de pessoas, de liderança, de gestão de comportamentos de equipas, mas na realidade sinto que gerir pessoas é algo que não se aprende.

A gestão de pessoas assenta no seguinte processo: fazer, falhar e aprender de modo a construir cada vez melhores equipas. Os líderes atualmente têm de ser mais empáticos, mais abertos, mais frágeis e ter a capacidade de demonstrar essa mesma fragilidade, ou seja, têm de ser mais humanos. Antigamente existia a mentalidade de que o líder é que sabe e ninguém ousava questionar as suas decisões. Pessoalmente considero que o papel de liderança antigamente era mais branco e preto, sendo que atualmente é muito mais cinzento. O grande desafio da liderança nos dias de hoje, prende-se com tentar conciliar o papel de liderança de antigamente com o de atualmente, ou seja, construindo um líder mais humano, mas com a capacidade de se impor quando considerar necessário.

De que forma ocorre a evolução profissional numa grande empresa? Existe uma aposta na qualificação dos colaboradores?

A aposta na qualificação dos trabalhadores depende muito de empresa para empresa. Pessoalmente valorizo muito e a Siemens tinha isso. A Galp encontrava-se em fase de implementação deste sistema. Nas agências de comunicação menos, que são os planos de carreira. A pessoa quando entra numa empresa tem noção que ao fim de um determinado período de tempo, aquelas são as oportunidades que existem e o que é que poderá fazer sentido, e em função desse plano de carreira dentro da organização, existe a formação adequada, há conferências e outros elementos formativos. As empresas apostam nos seus recursos. Claro que depois têm de existir avaliações anuais com o intuito de perceber se o recurso está ou não está a cumprir com os requisitos da sua função. Não tenho quaisquer dúvidas que nos dias que correm quem não tem formação fica estagnado. A velocidade com que as coisas mudam é incrível. Não é um curso tirado há dois anos, que passado dez anos já não interessa nada, o mundo nessa altura já mudou todo. Dar formação é das coisas mais importantes que uma empresa pode dar aos seus colaboradores. Porque na realidade um colaborador sem formação, acaba por ficar ultrapassado.

Para responder à questão, acho que as empresas devem apostar na formação, devem apostar nas pessoas, na medida em que, elas são o elemento principal do processo produtivo. Quando estamos numa empresa gostamos de sentir que alguém olhou para nós, que nos deu valor, que nos ouviu e teve a nossa opinião em consideração, que está a apostar em nós. Quanto mais apostam em nós, mais queremos dar. E esta é toda uma filosofia de gestão que considero proveitosa para as empresas. Na realidade, com a formação, um colaborador vai ficar melhor naquilo que já fazia. A priori onde é que o colaborador vai aplicar os conhecimentos adquiridos? Na empresa. É sempre benéfico para as empresas o investimento na formação dos colaboradores, até porque é um investimento e não um custo, como muitas vezes se quer fazer crer.

A inovação e a criatividade são dois elementos importantes para o sucesso de uma empresa. Como são encarados estes dois elementos no seio de uma grande empresa? Os colaboradores têm liberdade e autonomia para propor e defender as suas próprias ideias?

Mais uma vez acho que esta questão depende muito de empresa para empresa. Há uma filosofia de aumentar a flexibilidade relativamente a estes temas. Mas repito, as grandes empresas, por definição, têm uma série de regras que existem para garantirem que as empresas são iguais, onde quer que estejam. No caso da Siemens, que está em 190 países, entramos num escritório em Lisboa que não é muito diferente do escritório que existe em Madrid ou que existe em Berlim. E não tem a ver com a decoração, sentimos que há uma série de valores e de formas de estar que são comuns a todos os países. Isto significa que há guidelines, há estruturas, há realmente uma partilha não só da cultura da empresa, mas de responsabilidades, na medida em que cada um sabe o seu papel. Isso é efetivamente necessário quando as empresas são grandes. Contudo, isto pode ser um entrave à inovação e criatividade.

A questão da inovação e da criatividade depende muito do departamento, da área em que trabalhas e da empresa em que estás. Há empresas grandes que são excecionais no que respeita à inovação e criatividade, na medida em que arranjaram formas de dar liberdade a estes dois elementos no decurso do seu processo produtivo. Por exemplo, o Grupo José de Mello, arranjou uma entidade dentro do grupo que só trata de inovação. E essa entidade é uma entidade flat, sem hierarquia. Na prática, percebeu que dentro da estrutura do grupo é difícil incentivar a criatividade e a inovação, então decidiu criar uma estrutura que apenas se dedica a isso. E como o Grupo José de Mello, a Siemens em tempos também criou uma empresa, a Next47, que realizava o trabalho de inovação e criatividade. Ou seja, as grandes empresas tendem a criar outras entidades para ajudar no percurso da implementação de conceitos como a inovação e a criatividade.

As empresas criam estas formas alternativas de implementar os conceitos de inovação e criatividade no processo produtivo, na medida em que, sem estes a sobrevivência das empresas está colocada em causa. Se não consegue fazê-lo dentro da empresa com o peso da estrutura que uma grande empresa acarreta e precisa, então é necessário arranjar formas alternativas que permitam a introdução destas sementes dentro da organização. A solução de criarem miniempresas e spinoffs que possam realizar esse trabalho, parece-me uma ótima estratégia.

A proatividade constitui uma característica importante numa esfera tão movimentada, como é o mundo corporativo. De que forma é esta característica percepcionada no mundo empresarial? Como são vistos os colaboradores que têm esta capacidade?

Acho que uma das principais características do profissional português é mesmo essa proatividade e essa flexibilidade. E trabalhando, como trabalhei em contextos internacionais, sinto que as coisas são muito mais planeadas do que em Portugal, muito detalhadas e bem pensadas. Contudo, se há algo que sai de fora daquela matriz, os outros profissionais por norma têm muita dificuldade em lidar com o facto de terem que fazer algo que não estava previamente planeado, enquanto que com o profissional português consegue arranjar soluções. Isto para dizer que, o tema da proatividade é essencial não só nas empresas, como também na nossa vida e prezo muitas empresas que valorizam a proatividade que, normalmente, pode vir conjuntamente com a falha. É preciso dar espaço para que essa proatividade aconteça. A proatividade é sempre uma característica boa, contudo umas vezes faz-se bem, outras vezes não. O mais importante é perante os obstáculos e as adversidades não perdermos o espírito proactivo.

Que conselhos daria a um jovem empreendedor na sua primeira aventura no mundo empresarial?

Quem está a começar deve ser como uma esponja: tem que absorver tudo o que está à sua volta. Ao mesmo tempo, tem que ser curioso, fazer as perguntas certas, tem que criar uma rede de network fabulosa e isso demora tempo porque precisam de ser orgânicas. Acima de tudo, não pode ter medo de falhar, porque vai falhar muitas vezes. Não deve encarar a falha como um obstáculo intransponível, porque são fases e todas as fases vão ser importantes para qualquer que seja a sua noção de sucesso a longo prazo.

Quais são os seus projetos para o futuro? Pensa regressar ao mundo das empresas?

Relativamente ao futuro, apenas tenho a certeza de uma coisa: vou efetivamente ficar no mundo empresarial. Contudo, para mim não está claro se o meu futuro passará por uma grande empresa ou se me irei dedicar a empresas mais pequenas e contribuir com o meu conhecimento para o seu crescimento. Acima de tudo, quero trabalhar em algo que tenha um impacto real nas pessoas. O que eu sinto falta às vezes nestas grandes corporações como a Siemens e a Galp é que estão muito distantes da realidade do dia a dia.

Sinto falta de trabalhar em situações que sejam impactantes para as pessoas no seu dia a dia. Por isso, estou inclinada para projetos mais pequenos, com mais significado, independentemente do tema carreira empresarial ainda estar muito presente na minha cabeça, não num contexto tão grande, mas sim de ajudar as empresas portuguesas mais pequenas a crescer. Além do objetivo de ajudar empresas mais pequenas, também me encontro a tirar um curso de Harvard, denominado “Sustainable Business Strategy”. Os meus objetivos futuros são não deixar de ser curiosa - que sempre fui - estar a par das novas tendências, e sim, emprestar o meu conhecimento às empresas que possam estar a precisar.

Patrícia Neves

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2022-05-19T13:50:41+01:00
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