Administração Pública quer testar semana de quatro dias

Administração Pública quer testar semana de quatro dias

O Governo está a desenvolver um projeto-piloto da semana de quatro dias de trabalho para testar na Administração Pública, à semelhança do que vai ser feito no setor privado.

A ministra da Presidência Mariana Vieira da Silva, garantiu ainda que há instituições públicas que querem experimentar esta possibilidade, mas sublinha que também depende da metodologia que seja seguida, nomeadamente se será numa organização em particular ou num conjunto, para se conseguir avaliar o impacto. Uma análise que será desenvolvida em conjunto com o Ministério do Trabalho. “A nossa ambição é, a par do que vai acontecer no setor privado, também fazer um trabalho na Administração Pública com algumas diferenças, porque temos muitos serviços que não são compatíveis com esse tipo de organização do tempo de trabalho”, afirmou Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência, em entrevista ao jornal Público.

Projeto-piloto será aprovado em sede de Concertação Social
Portugal vai juntar-se a países como o Reino Unido, Espanha, Bélgica ou Islândia que têm a decorrer ou já realizaram projetos-piloto com a semana de quatro dias. O estudo sobre o projeto-piloto para testar novos modelos de organização do trabalho será desenvolvido em sede de Concertação Social de forma a se identificar os requisitos e condições que terão de ser cumpridos. A discussão em torno dos novos modelos de trabalho faz parte do programa do Governo e a proposta do Livre – para a realização de um estudo – aprovada no Parlamento, deu novo gás à discussão.

Para esse piloto, Ana Mendes Godinho, Ministra do Trabalho, referiu já haver empresas privadas dispostas a participar no mesmo. "Desde que esta matéria foi colocada na agenda e na ordem do dia, já tive várias empresas a manifestarem-se disponíveis para fazerem parte deste projeto-piloto, mas não queremos antecipar nem lançar o projeto-piloto sem antes definirmos os parâmetros que queremos garantir que estes projetos respeitem, nomeadamente a garantia de proteção dos trabalhadores, que será sempre a nossa prioridade total. Isto é o Estado a fomentar a inovação nas formas de organização do trabalho, mas tendo em conta a necessidade de acautelar os interesses dos trabalhadores", reforçou.

Estudo mostra que 77% dos colaboradores são a favor de semana de quatro dias
Este é um tema que divide empresas e trabalhadores. Um inquérito levado a cabo pela EY em parceria com a revista Pessoas, revelou que 77% dos colaboradores gostaria que a sua empresa adotasse uma semana de quatro dias de trabalho; 65,2% admite até trabalhar mais horas por dia e 12% está até disposto a abdicar de parte do seu salário para ter mais um dia de descanso. Mas as empresas não parecem ainda muito receptivas: apenas 9% indica que este modelo de trabalho poderia ser uma opção. Ainda 81% rejeitam essa proposta.

Repensar modelos de organização
Pedro Gomes defende que avançar para a semana de quatro dias é uma oportunidade para as empresas repensarem o seu modelo de organização. “Lá fora, o movimento da semana de trabalho de quatro dias está a ser liderado mais por empresários e por associações que apoiam as empresas a fazer essa transição, mas sem envolver subsídios. São empresas que, de facto, vão tentar porque querem testar novas práticas de gestão que, potencialmente, melhoram o negócio. Não é a questão do subsídio, é mesmo a questão de que a semana de trabalho de quatro dias melhora o negócio em muitas dimensões. É isso que estas empresas estão a testar”, destaca.

Modelo pode trazer vantagens como incentivar redução de IRC
O economista do ISEG, João Duque, admite ainda que o piloto que venha a ser feito com empresas de muitos setores pode até ter um incentivo do ponto de vista fiscal, uma redução grande do IRC. João Duque defende a concentração de horário, sem perda de rendimento. “Do ponto de vista social, a concentração em quatro dias de trabalho pode ter vantagens. Por isso é que deve ser estudado. É o modelo, para já, que tem benefícios para todos”, argumenta.

Empresas portuguesas Sonae MC, Feedzai e Doutor Finanças já testaram modelo
A unicórnio Feedzai e a Doutor Finanças são algumas das empresas que, mesmo sem incentivo legislativo, já realizaram em Portugal pilotos de semana de quatro dias e este ano retomaram, embora com reajustes. Também a Sonae MC, administradora do Continente, está a dar aos colaboradores de escritório a possibilidade de não trabalhar na sexta-feira à tarde, uma porta de entrada para a possível adoção futura da semana de quatro dias de trabalho na empresa.

Trabalhar menos dias pode estimular o setor do lazer
De acordo com João Duque, economista do ISEG, encurtar a semana de trabalho pode ainda fazer crescer e estimular outros setores da economia, nomeadamente os mais relacionados com o lazer. “Há muitos países a estudar e países com modelos diferentes. Há países onde estão a fazer ensaios que é concentrar os trabalho de 40 horas ou 35 horas – no caso da Bélgica – em quatro dias, uma maneira diferente de manter o mesmo trabalho, com vantagens apelativas: a pessoa tem três dias de descanso, equilibrar mais o tempo dedicado à sua família e lazer. Criar uma dinâmica diferente de valorizar setores que viam estendidos o tempo dedicado pela sociedade para os acolher e desenvolver, como a indústria da recreação, lazer, que passa a ser mais procurada”, argumenta.

Pedro Gomes, reader na Birkbeck, University of London partilha da mesma opinião. “A semana de trabalho de quatro dias é, acima de tudo, uma melhor forma de organizar a economia e vai trazer muitas vantagens económicas. São essas vantagens que importam debater. Quando estamos sem trabalhar, o tempo de lazer não é tempo morto para a economia. É, de facto, a altura em que consumimos mais. Vamos ao cinema, ao teatro, viajamos. Há muitas empresas que nasceram com trabalhadores que se dedicam a uma paixão ao fim de semana. Quando não estamos a trabalhar podemos ir para um mestrado ou para um curso de requalificação, para mudar de profissão para uma mais promissora”, destaca.

Andreia Arenga

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2022-10-19T10:25:14+01:00
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